terça-feira, março 13, 2018

IMAGINÁRiO #474

José de Matos-Cruz | 08 Julho 2014 | Edição Kafre | Ano XI – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ALTERNATIVAS
«Revista cultural de publicação bimestral, que divulga obras influentes no sector artístico nacional e internacional», Diverge - sendo directores editoriais Dinis Costa e Ruben Santos - expande-se, a partir do número 0, da virtualidade on line para a propensão em papel. Nesta «proposta de uma nova abordagem visual e informativa, permitindo colmatar uma lacuna a nível das publicações periódicas de cariz cultural», destaca-se uma original Odisseia…
A Bordo da Calypso
, com os actores Bruno Nogueira e Gonçalo Waddington. Apresentando, como críticos, Andreia Carvalho, B. Palma, Filipe Santos, Francisco Costa, João Batista, João Vila-Lobos, Marta Caria e Tiago Lopes, e Emanuel Lopes e Miguel Costa entre os fotógrafos, ou Dinis Costa e José Carvalho como ilustradores, Diverge - sob chancela Livros de Ontem - tem como autores convidados Luísa Sequeira e José de Matos-Cruz, que analisa o Cinema de Abril: «As manifestações sociais, políticas e culturais transferiram-se, com um olhar de emoções e vivências em evolução, que a memória conserva, para um registo sucedâneo, evolutivo, em que se verifica a própria história.»

CALENDÁRiO

11JUL2013 - Papaveronoir produziu, e estreia A Batalha de Tabatô de João Viana; com Fatu Djebaté e Mamadu Baio. IMAG.87

MEMÓRiA

12JUL1884-1920 - Amadeo Clemente Modigliani: Artista plástico italiano, precursor do modernismo - «Aquilo que eu procuro, na pintura, não é o real ou o irreal, mas antes o inconsciente, o mistério do instinto na alma humana». IMAG.154-260

13JUL1894-1940 - Isaac Babel: Escritor e jornalista soviético - «A totalidade de sua obra é de pequena monta, mas significativa o bastante para consagrá-lo como um dos principais autores do Século XX» (Ana Lucia Santana). IMAG.419

1907-13JUL1954 - Frida Kahlo: Artista plástica mexicana - «Pinto a mim mesma, porque sou sozinha, e porque sou o assunto que conheço melhor». IMAG.78-110-137-198-382

1879-13JUL1974 - Raul Lino: Arquitecto português, autor de A Nossa Casa - Apontamentos Sobre o Bom Gosto Na Construção das Casas Simples (1918), devotado «à necessidade que há de re-humanizar a vida, de salvar aquilo que temos de mais precioso, a nossa alma, que no decurso de muitos séculos fomos aprendendo a venerar como sede da própria consciência» (1957). IMAG.40-169-186-251-447

1930-13JUL2004 - Carlos Kleiber: Maestro austro-alemão - «O único disco aceitável é aquele que ainda não foi produzido». IMAG.325

1860-14JUL1904 - Anton Tchékhov: Ficcionista e dramaturgo russo - «Filho de um servo, servente de loja, cantor na igreja, estudante do liceu e da Universidade, educado para a reverência de superiores e para beijos de mão, para se curvar perante os pensamentos alheios, para a gratidão por qualquer pequeno pedaço de pão, muitas vezes sovado, indo à escola sem galochas» (Carta a Aleksandr Tchékhov - 1889). IMAG. 139-260-364-454-457

1866-14JUL1954 - Jacinto Benavente y Martinez: Crítico literário e dramaturgo espanhol, Prémio Nobel da Literatura em 1922 - «Ao morrermos, convém deixar algumas dívidas incobráveis, para que alguém nos chore com sinceridade».

PARLATÓRiO

Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma jovem caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se tu soubesses como é terrível obter o conhecimento de repente – como um relâmpago iluminando a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. As minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes, e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.
Frida Khalo

COMENTÁRiO

Isaac Babel

Como contista, Babel rivaliza com Turguénev, Tchékhov, Maupassant, Gogol, Joyce, Hemingway, Lawrence e Borges: tal como eles, é um génio da forma. Mas está próximo de Kafka, na peculiar dicotomia do seu génio.
Harold Bloom
Esse livro ímpar intitula-se O Exército de Cavalaria [de Isaac Babel]. A música do seu estilo contrasta com a quase inefável brutalidade de certas cenas. Um dos contos O Sal conhece uma glória que parece reservada aos versos e que a prosa raramente alcança: sabem-no de cor muitas pessoas.
Jorge Luis Borges
  
VISTORiA

E Iona volta-se para contar como morreu seu filho, mas então o corcunda suspira aliviado e declara que, graças a Deus, eles já chegaram, finalmente. Tendo recebido os vinte copeques, Iona fixa longamente o olhar no encalço dos farristas, que desaparecem num portão escuro. Outra vez ele está só, e outra vez o silêncio cai sobre ele… A angústia, que amainara um pouco, surge de novo e oprime o peito com força maior ainda. Os olhos de Iona correm aflitos e martirizados pelas turbas que se agitam de ambos os lados da rua: não haverá no meio desses milhares de pessoas ao menos uma que quisesse ouvi-lo? Mas as turbas correm sem notá-lo, nem a ele, nem à sua angústia… Angústia enorme, que não conhece limites. Se estourasse o peito de Iona e a angústia se derramasse, ela inundaria, parece, o mundo inteiro – e no entanto, ela é invisível. Ela conseguiu aninhar-se numa casca tão ínfima, que não se pode enxergá-la nem com lanterna à luz do sol…
Iona vê um zelador de prédio com um saco na mão e decide falar com ele.
Irmão, que horas serão? – pergunta-lhe.
Passa das nove… E por que ficas parado aqui? Vai andando!
Iona afasta-se alguns passos, dobra o corpo e entrega-se à angústia… Dirigir-se aos homens, ele já considera inútil. Mas não passam nem cinco minutos e ele endireita-se, sacode a cabeça como se sentisse uma dor aguda e puxa as rédeas… Não aguenta mais.
«Para casa – pensa ele. – Para casa!»
E a pequena égua, como que adivinhando-lhe o pensamento, põe-se a correr a trote miúdo. Cerca de hora e meia depois, Iona já está sentado junto a uma estufa grande e suja. Em cima da estufa, nos bancos, no chão, roncam homens. O ar está denso e abafado… Iona olha para os dorminhocos, coça-se, e lamenta que voltou para casa tão cedo.
«Não ganhei nem para a aveia», pensa ele. «É por isso que estou aflito. Um homem que entende do seu trabalho… que está de barriga cheia e o cavalo também, este está sempre sossegado…»
Anton Tchékhov
- Angústia (1886, excerto - Sobre Tradução de Tatiana Belinky)

Terminada a cerimónia nupcial, o rabino deixou-se cair num cadeirão. Depois saiu da sala e viu as mesas postas ao longo do pátio. Eram tantas que a sua cauda passava para lá do portão que dava para a Rua Gospitalnaia. Cobertas de veludo, as mesas serpenteavam pelo pátio como cobras exibindo a pança feita de coloridos retalhos, retalhos de veludo laranja e carmesim que cantavam com voz grave.
As salas tinham sido transformadas em cozinhas. Uma grossa chama, uma ébria e farfalhuda chama, batia nas portas enegrecidas pelo fumo. Nos seus raios fumegantes, assavam as faces das velhas e os queixos trémulos do mulherio de seios ensebados. O suor rosado como sangue, rosado como a espuma de um cão enraivecido escorria desse monte espesso que exalava um fedor adocicado a carne humana. Três cozinheiras, sem contar com as ajudantes, preparavam o jantar da boda, sob o comando da octogenária Reizl, marreca e minúscula, tradicional como o pergaminho da Tora.
Antes do banquete, apareceu à socapa no pátio um jovem desconhecido dos convidados. Procurou por Bênia Krik. Chamou Bênia Krik à parte e falou assim:
Olhe, Rei! disse ele. Tenho de lhe dizer umas palavrinhas. Foi a ti Hana da Rua Kostétskaia que me mandou…
Isaac Babel
- Contos Escolhidos

COROLÁRiO

Se o progresso não equivale a civilização, também o espírito só por si não basta para a fazer surgir. Distingamos entre espírito e alma. O  primeiro é susceptível de ser cultivado; por seu lado, a alma educa-se por si própria, é autodidacta; o espírito é resultante de uma composição elaborada pela pessoa; a alma é uma sublimação espontânea que domina a pessoa… Sem interferência da alma, não há civilização verdadeira.
Raul Lino (1951)

BREVIÁRiO

Sextante edita Um Dia Na Vida de Ivan Deníssovitch de Aleksandr Soljenítsin / Alexander Soljenitsine (1918-2008); tradução de António Pescada. IMAG.147-209

Blu Edições lança 7 Ensaios Sobre o Povoamento dos Açores de José Guilherme Reis Leite.

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