PRONTUÁRiO
FANTÁSTICO
«Promover
e estimular o género literário fantástico, apostando na exigência,
na qualidade, e na comunicação entre criadores» é o objectivo da
revista Trëma,
com edição de Rogério Ribeiro, materializando um projecto amplo,
versátil e virtual (http://trema-mag.blogspot.pt/ - com coordenação
de Luís Filipe Silva), que inclui uma Oficina de Escrita Criativa
Fantástica (na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro - Lisboa), e em
vivo testemunho do seu manifesto original. Prevendo(-se como) um
espaço de evolução, para futuro, Trëma
(com capa ilustrada por Luís Melo) inclui contos de Luís Filipe
Silva, Carina Portugal, Maria Amaral Ribeiro e Rui Ângelo Araújo,
uma entrevista com Ivor Hartmann (a ficção científica africana),
uma crítica de Andreia Torres, ensaios de Artur Coelho e João
Campos, além de uma crónica de Rogério Ribeiro, que sublinha a
expectativa de «ajudar à formação de um mercado efectivo para o
género fantástico», «assumindo neste momento um carácter
amador». A contactar para o endereço trema.mag@gmail.com
MEMÓRiA
22ABR1724-12FEV1804
- Emmanuel Kant: Filósofo prussiano - «A razão humana tem este
destino singular, numa parte dos seus conhecimentos, de sucumbir ao
peso de certas questões que não pode evitar. Com efeito, tais
questões impõem-se à razão devido à sua mesma natureza, mas ela
não pode responder-lhes porque de todo ultrapassam a sua capacidade»
(Prolegómenos).
IMAG.18
18FEV1404-1472
- Leon Battista Alberti: Humanista, teórico de arte e arquitecto
italiano, autor de De Re
Aedificatoria Libri Decem
(1452) - «A beleza é uma espécie de harmonia e acordo entre todas
as partes, que devem formar um todo». IMAG.214-380
18FEV1924-2012
- Lêdo Ivo: Ficcionista, poeta e jornalista brasileiro - «O grande
escritor não precisa de ser muito inteligente nem muito culto. A
inteligência e a cultura são, contudo, indispensáveis nos
escritores menores». IMAG.446
1917-18FEV2004
- Jean Rouch: Realizador e etnólogo francês, documentarista e
mentor do cinema directo
- «O olhar da câmara é mais eficaz e minucioso do que o olhar
humano. O olhar da câmara tem uma memória infalível, enquanto o
olhar do realizador está disperso». IMAG.96-217-404
21FEV1864-28NOV1934
- Henrique Maximiano Coelho Neto: Escritor, político e professor
brasileiro - «A vida é a variedade. Assim como o paladar pede
sabores diversos, assim a alma exige novas impressões».
1905-21FEV1984
- Mikhail Sholokov: Prémio Nobel da Literatura em 1965, «pela
intensidade artística e pela integridade com que tratou, na épica
região do Don, um período histórico do povo russo».
23FEV1934-2011
- Augusto Algueró: Compositor espanhol e director de orquestra,
autor de Noelia (por
Nino Bravo) - «Além de temas pop,
fiz mais de duzentas bandas sonoras, teatro musical, genéricos de
séries e programas de televisão». IMAG.341
PARLATÓRiO
Arquitecto
é aquele que, com método e procedimento seguro e perfeito, saiba
projectar racionalmente e realizar na prática, graças à deslocação
das cargas e à acumulação e conjunção dos corpos, obras que se
acomodem perfeitamente às mais importantes necessidades humanas. Tal
fim requer o conhecimento e domínio das melhores e mais altas
disciplinas. Assim deverá ser o arquitecto.
Leon
Battista Alberti
CALENDÁRiO
22MAR-28ABR2013
- No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta The
Price of Beauty - exposição
de fotografia de Haidji.
VISTORiA
A
Razão É Contrária à Felicidade
Quanto
mais uma razão cultivada se consagra ao gozo da vida e da
felicidade, tanto mais o homem se afasta do verdadeiro contentamento;
e daí provém que em muitas pessoas, e nomeadamente nas mais
experimentadas no uso da razão, se elas quiserem ter a sinceridade
de o confessar, surja um certo grau de misologia,
quer dizer de ódio à razão. E isto porque, uma vez feito o balanço
de todas as vantagens que elas tiram, não digo já da invenção de
todas as artes do luxo vulgar, mas ainda das ciências (que a elas
lhes parecem no fim e ao cabo serem também um luxo do entendimento),
descobrem contudo que mais se sobrecarregaram de fadigas do que
ganharam em felicidade, e que por isso finalmente invejam mais do que
desprezam os homens de condição inferior que estão mais próximos
do puro instinto natural, e não permitem à razão grande influência
sobre o que fazem ou deixam de fazer. E até aqui temos de confessar
que o juízo daqueles que diminuem e mesmo reduzem a menos de zero os
louvores pomposos das vantagens que a razão nos teria trazido no
tocante à felicidade e ao contentamento da vida, não é de forma
alguma mal-humorado ou ingrato para com a vontade do governo do
mundo, mas que na base de juízos desta ordem está oculta a ideia de
uma outra e mais digna intenção da existência, à qual, e não à
felicidade, a razão muito especialmente se destina, e à qual por
isso, como condição suprema, se deve subordinar em grandíssima
parte a intenção privada do homem.
Portanto,
se a razão não é apta bastante para guiar com segurança a vontade
no que respeita aos seus objectos e à satisfação de todas as
nossas necessidades (que ela mesma - a razão - em parte multiplica),
visto que um instinto natural inato levaria com muito maior certeza a
este fim, e se, no entanto, a razão nos foi dada como faculdade
prática, isto é, como faculdade que deve exercer influência sobre
a vontade, então o seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma
vontade, não só boa quiçá como meio para outra intenção, mas
uma vontade boa em si mesma, para o que a razão era absolutamente
necessária, uma vez que a natureza de resto agiu em tudo com acerto
na repartição das suas faculdades e talentos. Esta vontade não
será na verdade o único bem nem o bem total, mas terá de ser
contudo o bem supremo e a condição de tudo o mais, mesmo de toda a
aspiração de felicidade. E neste caso é fácil de conciliar com a
sabedoria da natureza o facto de observarmos que a cultura da razão,
que é necessária para a primeira e incondicional intenção, de
muitas maneiras restringe, pelo menos nesta vida, a consecução da
segunda, que é sempre condicionada, quer dizer, da felicidade, e
pode mesmo reduzi-la a menos de nada, sem que com isto a natureza
falte à sua finalidade, porque a razão, que reconhece o seu supremo
destino prático na fundação duma boa vontade, ao alcançar esta
intenção é capaz duma só satisfação conforme à sua própria
índole, isto é a que pode achar ao atingir um fim que só ela (a
razão) determina, ainda que isto possa estar ligado a muito dano
causado aos fins da inclinação.
Emmanuel
Kant
-
Fundamentação da Metafísica
dos Costumes
Aos
da Caravana
Entre
os celtas, nos tempos rijos e sanguinários, quando, pelas agrestes
montanhas, dia e noite, atroavam buzinas roucas conclamando os
guerreiros para a defesa da pátria ou para a partilha dum gamo,
enquanto as facas iam talhando a selvagina, ao clarão rubro da
fogueira, os file,
com os olhos no céu, correndo os dedos ágeis pelas cordas da harpa,
recontavam os feitos dos heróis, as beneficências dos gênios e as
maravilhas excelentes da terra farta e amável.
Os
file
eram a memória
da raça. Porque ainda não surgira o artista imortalizador que
gravasse na pedra eterna ou inscrevesse na folha destrutível a
tradição nacional, os file
guardavam na memória, transmitindo, de homem a homem, não só os
hinos improvisados pelos bardos como as lendas do gênio popular, e a
história, conservada nesses monumentos orais, ia dum a outro, como a
chama dum círio passa a outro círio.
Dividiam-se
os file
em dez categorias, desde o oblairo,
que apenas sabia sete histórias, até o ollam
que repetia de cor trezentas e cinqüenta.
Este
livro, amigos meus, é mais vosso do que meu, porque na sua
composição entrou apenas a minha memória. Como o ollam
venho contar aos que surgem a odisséia da nossa mocidade.
Triste,
triste foi a nossa vida posto que, de longe em longe, como um raio de
sol atravessando nuvens tempestuosas, o riso viesse palidamente à
flor dos nossos lábios. Mas chegamos, vencemos… Deus o quis! E, se
ainda não tomamos de assalto a praça em que vive acastelada a
indiferença pública, já cantamos em torno e, ao som dos nossos
hinos, ruem os muros abalados, e avistamos, não longe, pelas
brechas, a cidade Ideal dos nossos sonhos.
Mas
no dia em que nela pudermos entrar vitoriosos, pisando a verde, macia
e cheirosa folhagem, indo repousar à sombra das árvores, perto da
frescura e do murmúrio da água, nesse dia, reunidos pela saudade,
sacrificaremos, com religioso sentimento, aos manes dos que ficaram
adormecidos à sombra dos ciprestes.
Coelho
Neto
-
A Conquista
(1899 - Introdução, excerto)
O
Cavalo
No
campo matinal
um cavalo assediado
pelo zumbir das moscas
mastiga avidamente,
o capim do universo.
Os insetos volteiam
no anel azul do mundo
- esfera sem passado
nos ares momentâneos.
Não há mitologia
espalhada na relva
que é verde, sem caminhos,
longe das longes terras.
E o cavalo sobrado
da inenarrável guerra
e da paz defendida
à sombra das espadas
mata a fome no campo
onde não jazem mortos
nem retroam clarins.
Sua crina estremece.
E seus cascos escarvam
a plácida planície
coberta pelos pássaros.
Já sem fome, relincha
para os céus que não guardam
as fanfarras e flâmulas
e a fumaça da História,
e se muda em estátua.
um cavalo assediado
pelo zumbir das moscas
mastiga avidamente,
o capim do universo.
Os insetos volteiam
no anel azul do mundo
- esfera sem passado
nos ares momentâneos.
Não há mitologia
espalhada na relva
que é verde, sem caminhos,
longe das longes terras.
E o cavalo sobrado
da inenarrável guerra
e da paz defendida
à sombra das espadas
mata a fome no campo
onde não jazem mortos
nem retroam clarins.
Sua crina estremece.
E seus cascos escarvam
a plácida planície
coberta pelos pássaros.
Já sem fome, relincha
para os céus que não guardam
as fanfarras e flâmulas
e a fumaça da História,
e se muda em estátua.
Lêdo
Ivo
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