sexta-feira, janeiro 19, 2018

IMAGINÁRiO #444

José de Matos-Cruz | 24 Novembro 2013 | Edição Kafre | Ano X – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

TRANSFIGURAÇÕES
No esplendoroso imaginário em quadradinhos europeus, François Schuiten é um criador arrojado e estimulante, pelas incursões entre a realidade e o fantástico, a actualidade irradiante entre o passado e o futuro. A sensualidade gráfica e o estilo prodigioso patenteiam um rasgo visionário - assim testemunhado em 12 - A Doce, sob chancela Asa. Fábula civilizacional, sobre o paroxismo tecnológico e o desenlace humano, e a sagração de uma locomotiva a vapor com o número de registo 12.004, na longa cumplicidade com o seu maquinista, Léon, em destino e desafio sob o advento de outros tempos, ao progresso dos transportes eléctricos. Toldando a vertigem de tal vivência magnífica e vibrante, inquietude e nostalgia expandem - afinal - a voragem caprichosa de uma viagem onírica e resgatadora… Uma arquitectura exuberante, sublimada pela transfiguração a preto e branco, eis a arte de François Schuiten - em manifesta revelação: «A dinâmica narrativa é fundamental na banda desenhada. Eu não sou propriamente um especialista em cartazes, ou um pintor. De qualquer modo, numa só imagem, o que me interessa são as suas potencialidades essenciais: em cada uma existe uma multiplicidade de histórias possíveis. Por outro lado, cada história pode, virtualmente, contar-se através de grande variedade de imagens - em grafismo, estilo ou estética». IMAG.215-248-269-400

CALENDÁRiO

13DEZ2012-17FEV2013 - Em Cascais, Casa das Histórias Paula Rego expõe A Fonte das Palavras de Maria João Worm. Sendo curadora Ana Ruivo, o projecto teve como ponto de partida o contexto editorial ficcionado que a artista vem desenvolvendo no seu trabalho, através do qual cria quadros biográficos diversos, e dá corpo a escritores e tradutores pela apresentação dos seus trabalhos. Na segunda parte do percurso, um conjunto de matrizes de gravuras realizadas para ilustrarem textos da escritora Dulce Maria Cardoso.
Galardoada com o Prémio Nacional de Ilustração 2011, Maria João Worm transporta a cada projecto a poética das histórias e das memórias individuais para um quotidiano desassossegado de questionamento identitário de se ser humano, fazendo da imagem e da palavra, do desenho, da gravura, dos objectos, as suas formas de pensar e contar.
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MEMÓRiA

1894-22NOV1963 - Aldous Huxley: Escritor inglês - «O trabalho não é mais respeitável que o álcool, e serve precisamente para o mesmo fim: distrair o espírito e fazer com que o homem se esqueça de si próprio». IMAG.71-165-332

24NOV1713-1768 - Laurence Sterne: Escritor irlandês - «Tenho certeza de possuir uma alma, e todos os livros com os quais os materialistas enfadaram o mundo não me convencem do contrário».

1888-27NOV1953 - Eugene O’Neill: Escritor e dramaturgo americano, distinguido com o Prémio Nobel da Literatura (1936) - «Acreditar no senso comum, é a primeira demonstração da falta de senso comum». IMAG.199

1567-29NOV1643 - Claudio Monteverdi: Compositor italiano, maestro e cantor - «O texto deve ser o senhor e não o servo da música». IMAG.134-211-265-279

1879-30NOV1953 - François Marie Martinez Picabia, aliás Francis Picabia: Escritor, pintor, designer e ilustrador francês, influenciado pelo cubismo, o impressionismo, o dadaísmo e o surrealismo - «Não pinto o que meus olhos vêem. Pinto o que vê o meu espírito, ou a minha alma».

COMENTÁRiO

Anarquismo Na Vida e Obra de Eugene O’Neill

Um estudo sistemático das actividades anarquistas do grande dramaturgo ainda não foi empreendido, que eu saiba, porém existem muitos ensaios sobre ele e os dados colhidos permitem estabelecer uma trajectória, se não completa, pelo menos suficiente.
A mais pormenorizada das biografias interessantes para o nosso assunto é sem dúvida a do casal Arthur e Barbara Gelb, que chega quase a mil páginas, mas há também duas obras de Louis Sheaffer que oferecem uma grande quantidade de informação. Descobre-se, assim, que um dos primeiros contactos que O’Neill teve com anarquistas data de 1907, quando conheceu Benjamin Tucker e começou a frequentar a livraria dele em Nova Iorque: The Unique Bookshop, situada na Sexta Avenida. Eugene não tinha ainda vinte anos, enquanto o pensador e escritor anarquista alcançara já os cinquenta, com mais de trinta anos de experiências como propagandista, redactor de periódicos, autor de ensaios. Foi através do Tucker que O’Neill travou conhecimento com a obra de Bacunin e Kropotkin, Proudhon e Tolstoi, Stirner e Nietzsche. Definiu-se então «anarquista filosófico», uma etiqueta pouco usada em outros países, mas que se tornou comum nos Estados Unidos e que equivale – ainda hoje – a «anarquista não-violento». Distinção necessária, pois a opinião pública tende a misturar anarquismo e terrorismo. Para bem da verdade, cabe reconhecer que naquela época a associação com Czolgosz (que tinha matado um Presidente) e Berkman (que atirara contra um capitalista inflexível e cruel contra operários grevistas) era comum. Quem apresentou O’Neill a Tucker foi Paul Holliday, outro anarquista, irmão de Polly Holliday, gerente de um café boémio no Greenwich Village, companheira de vida de outro militante activo muito conhecido, Hippolyte Havel. Paul foi um grande amigo de O’Neill até sua trágica morte, poucos anos depois. Outro grande amigo anarquista (e futuro personagem de sua obra) foi Terry Carlin (verdadeiro nome Terence O’Carolan), que tinha a qualidade adicional de ser de origem irlandesa, como O’Neill. Companheiro de bebedeira, o escritor nunca o renegou quando ficou famoso e passou a mandar-lhe cheques mensais para que nunca lhe faltasse a bebida. Os Gelb escrevem: «Carlin teve uma influência maior na filosofia de O’Neill do que qualquer outra pessoa». Não devemos estranhar, pois Carlin foi admirado por escritores importantes como Jack London e Theodore Dreiser. Mais uma amizade importante – e que durou até o fim da vida – foi a com Saxe Commins (verdadeiro nome Cominsky), dentista que se tornou autor teatral, e sobrinho de Emma Goldman. A ele se dirigiu O’Neill, para que lhe procurasse documentação sobre algumas personagens anarquistas em suas peças. Em gratidão pela hospitalidade recebida dele e de toda a família, e por lhe ter cuidado dos dentes de graça, O’Neill sugeriu a sua contratação pela Random House, onde se tornou seu editor pessoal. Saxe foi também quem manteve contactos indirectos entre O’Neill, com as duas primeiras esposas e os filhos que delas teve. Quando fugiu para a França, onde vivia incógnito com Carlotta, que se tornou sua terceira mulher, foi justamente Commins um dos poucos que sempre soube onde ele se encontrava. Aliás, O’Neill não era o único que o estimava, pois tornou-se também amigo de Albert Einstein, que conheceu quando ambos ensinavam em Princeton.
Pietro Ferrua - Verve (excerto)

VISTORiA

Estava eu sentado, perto do mar, a ouvir com pouca atenção um amigo meu que falava arrebatadamente de um assunto qualquer, que me era apenas fastidioso. Sem ter consciência disso, pus-me a olhar para uma pequena quantidade de areia que entretanto apanhara com a mão; de súbito vi a beleza requintada de cada um daqueles pequenos grãos; apercebia-me de que cada pequena partícula, em vez de ser desinteressante, era feita de acordo com um padrão geométrico perfeito, com ângulos bem definidos, cada um deles dardejando uma luz intensa; cada um daqueles pequenos cristais tinha o brilho de um arco-íris... Os raios atravessavam-se uns aos outros, constituindo pequenos padrões, duma beleza tal que me deixava sem respiração... Foi então que, subitamente, a minha consciência como que se iluminou por dentro e percebi, duma forma viva, que todo o universo é feito de partículas de material, partículas que, por mais desinteressantes ou desprovidas de vida que possam parecer, nunca deixam de estar carregadas daquela beleza intensa e vital. Durante um segundo ou dois, o mundo pareceu-me uma chama de glória. E uma vez extinta essa chama, ficou-me qualquer coisa que nunca mais esqueci, e que me faz pensar constantemente na beleza que encerra cada um dos mais ínfimos fragmentos de matéria à nossa volta.
Aldous Huxley
PARLATÓRiO

Trabalho com regularidade pela manhã e, depois, um pouquinho antes do jantar.  Não sou dos que trabalham à noite. À noite, prefiro ler. Em geral, trabalho quatro ou cinco horas por dia. Trabalho tanto quanto posso, até sentir que estou ficando rançoso. Às vezes, quando emperro, ponho-me a ler - ficção, psicologia ou história, não importa muito o quê - não para tomar emprestados ideias ou materiais, mas simplesmente para recomeçar de novo. Qualquer coisa, quase, proporcionará esse desiderato.
Aldous Huxley

BREVIÁRiO

Diverdi edita em CD, sob chancela Alqhal&Alqhal, Cláudio Monteverdi [1567-1643]: Amori di Marte pelo tenor Juan Sancho e o soprano Marivi Blasco, com Accademia del Piacere, sob a direcção de Fahmi Alqhal.

Gradiva edita A Química das Lágrimas de Peter Carey; tradução de Ana Falcão Bastos.

CPO edita em CD, Carl Orff [1895-1982] | Cláudio Monteverdi [1567-1643] - Orpheus - Klage der Ariadne por Münchner Rundfunkorchester e Orpheus Chor München, sob a direcção de Ulf Schirmer. IMAG.134-211-265-279-364

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