PRONTUÁRiO
TRANSGRESSÕES
Existem
no território fílmico certas zonas que a indústria americana se
limita a sondar, ou das quais projecta apenas um reflexo alusivo.
Várias razões contribuem para que assim aconteça. Antes de mais,
estamos perante uma actividade de extremo risco e sensibilidade -
quer numa perspectiva económica, quer enquanto espectáculo público.
Há estratégias de investimento, regras de exploração impossíveis
de quebrar, para além de uma subversão mantida segundo processos
convencionais. Assim ocorre, com especial acuidade, no domínio da
acção criminal - em que os conflitos humanos se contrastam,
inevitavelmente, pelos desígnios do bem e do mal; ou a denúncia
sociológica, institucional, se circunscreve cenicamente aos signos
de um epílogo expiatório. Entre os cineastas cuja carreira se
distingue pela transgressão implícita num contexto,
simultaneamente, melodramático e violento, Abel
Ferrara culmina tais
virtualidades a um nível excepcional, com O
Rei de Nova Iorque /
King of New York
(1990)…
CALENDÁRiO
1918-05DEZ2012
- Papiano Manuel Carlos de Vasconcelos Rodrigues, aliás Papiano
Carlos: Ficcionista e poeta português, militante comunista, autor de
Mãe Terra
(1948), co-director dos fascículos Notícias
de Bloqueio (1957-1961),
membro do movimento neo-realista - «Os homens construíram a cidade,
construíram-na, ergueram-na sobre os ombros com cimento.» (Uma
Estrela Viaja Na Cidade -
2010, excerto).
07DEZ2012-23FEV2013
- Centro Cultural de Belém/CCB expõe O
Ser Urbano. Nos Caminhos de Nuno Portas -
cinquenta anos de percurso profissional do arquitecto e urbanista,
sendo comissário Nuno Grande.
26ABR-04MAI2013
- No Centro Cultural de Belém/CCB, Artistas Unidos apresenta A
Estalajadeira de Carlo
Goldoni (1707-1793); encenação de Jorge Silva Melo, com António
Simão e Catarina Wallenstein. IMAG.134-405
VISTORiA
Telha
de Vidro
Quando
a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que – coitados – tão velhos
só hoje é que conhecem a luz do dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
– Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que – coitados – tão velhos
só hoje é que conhecem a luz do dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
– Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você na experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
Rachel
de Queiroz
VISTORiA
E
vós, senhores, aproveitai tudo o que vistes para vantagem e
segurança dos vossos corações. E, se alguma vez estiverdes numa
ocasião de duvidar, quase a ceder, pensai nos artifícios que
vistes… E, lembrai-vos da Estalajadeira!
Carlo
Goldoni
-
A Estalajadeira
Só
há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio.
Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão
fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões,
se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. Trata-se de
jogos; é preciso primeiro responder. E se é verdade, como pretende
Nietzsche, que um filósofo, para ser estimado, deve pregar com o seu
exemplo, percebe-se a importância dessa reposta, porque ela vai
anteceder o gesto definitivo. São evidências sensíveis ao coração,
mas é preciso ir mais fundo até torná-las claras para o espírito.
Se eu me pergunto por que julgo que tal questão é mais premente que
uma outra, respondo que é pelas acções a que ela se compromete.
Nunca vi ninguém morrer por causa do argumento ontológico. Galileu,
que sustentava uma verdade científica importante, abjurou dela com a
maior tranquilidade assim que viu sua vida em perigo. Em certo
sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira. Qual
deles, a Terra ou o Sol, gira em redor do outro, é-nos profundamente
indiferente.
Albert
Camus
-
O Mito de Sísifo
(excerto)
COMENTÁRiO
Carlo
Goldoni
Não
é fácil saber que o mundo está a mudar. E Goldoni sabe-o, vai
vendo o velho ruir, o novo afirmar-se, anota sem fim, tudo vai
trazendo para o palco, gente, coisas, contratos, cadeiras, o palco
tem um íman a que ele se oferece. Volto sempre a Goldoni, nasceu ali
um teatro, nasceu um mundo.
Jorge
Silva Melo
PARLATÓRiO
No
segredo do meu coração, não me sinto em estado de humildade senão
perante as vidas mais pobres ou as grandes aventuras do espírito
humano… Entre as duas, encontra-se hoje uma sociedade que dá
vontade de rir.
Albert
Camus
MEMÓRiA
03NOV1913-2008
- Albert Cossery: Escritor egípcio, de expressão francesa - «Um
preguiçoso inteligente é alguém que reflectiu sobre o mundo em que
vive... Não se trata, pois, de preguiça. É tempo de reflexão. E,
quanto mais preguiçoso formos, mais tempo temos para reflectir».
IMAG.205
03NOV1933-2011
- John Barry: Músico inglês, compositor de bandas sonoras para
filmes, distinguido com cinco Oscars - África
Minha (1985), Danças
Com Lobos (1990)… «Todos
esses filmes são sobre uma sensação de perda. Não sei se isso vem
da II Guerra Mundial. Mas é algo que deixa marca, como não poderia
deixar de ser». IMAG.342
1910-03NOV2003
- Rachel de Queiroz: Ficcionista, poeta e dramaturga brasileira -
«Fala-se muito na crueldade e na bruteza do homem medievo. Mas o
homem moderno será melhor?» (As
Terras Ásperas - 1993).
IMAG.299
1840-06NOV1893
- Pyotr Ilyich Tchaikovsky: Compositor russo - «Tenho os nervos
completamente em frangalhos. A minha sinfonia não progride. Vou
morrer em breve, bem o sei, antes mesmo de acabar minha sinfonia.
Odeio a humanidade, e só desejo retirar-me para um deserto» (1866).
IMAG.235-261-273-280-296-310-337-364
07NOV1913-1960
- Albert Camus: Filósofo, ensaísta, ficcionista e dramaturgo
francês - «Compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um
único dia, poderia sem dificuldades passar cem anos numa prisão.
Teria recordações suficientes para não se entediar. De certo modo,
isto era uma vantagem» (O
Estrangeiro - excerto).
IMAG.258
INVENTÁRiO
O
Rei de Nova Iorque / King of New York (1990)
transcende o talento estilístico, sofisticado de Abel Ferrara, em
conluio com Nicholas St. John, o seu argumentista essencial. Em causa
está Frank White, um líder do submundo, cuja saída da prisão
assinala uma vaga de execuções entre facínoras e outros rivais.
Carismático, sedutor, mas também fantomático, com paranóica
perversidade, Frank contrapõe ao seu domínio de terror a influência
política, o desprezo pela lei estrutural, eliminando aqueles que
corrompem ou humilham os seus semelhantes. Simultaneamente, ambiciona
restaurar um hospital no bairro onde nasceu, obtendo formidáveis
lucros com o tráfico de drogas. Em seus valores desvirtuados, Frank
limita-se a prosperar numa metrópole hipócrita e viciada - que O
Rei de Nova Iorque exibe como
atmosfera inexorável, subjugadora, entre tensões e contaminações,
até ao exorcismo alucinatório… Através desta fábula de agonia,
desta visão hiperrealista, sobressai um assombroso Christopher
Walken como Frank White - enfim confrontado com a sua nemésis, mas
sempre dominador e solitário ao enfrentar a própria sublimação da
morte. Intocável, na grotesca tragédia que viveu, a ferro e fogo.
BREVIÁRiO
Arrow
Vídeo edita em Blu-ray, O Rei
de Nova Iorque / King of New York
(1990) de Abel Ferrara; com Christopher Walken e David Caruso.
IMAG.131
Sistema
Solar edita Como os Loucos de
Albert Londres (1884-1932); tradução de Aníbal Fernandes.
Tinta
da China edita As Primeiras
Mulheres Repórteres - Portugal Nos Anos 60 e 70 de
Isabel Ventura; prefácio de Fernando Alves.
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