PRONTUÁRiO
PRODÍGIOS
Em
Inglaterra, um dos favoritos da Rainha Isabel I, o jovem Orlando
sobreviverá - durante quatro séculos - aos tempos e costumes,
preconceitos e valores, conhecendo outras terras, amando e
combatendo, mudando de sexo, até à actualidade da Rainha Isabel II,
em que é mãe e publicará as fantásticas memórias, sobre a íntima
evolução e descoberta da sua própria identidade. Assim: 1600
/ Morte - herança
da soberana; 1610
/ Amor - paixão
pela russa Sacha; 1650
/ Poesia - encontro
com o lírico Green; 1700
- Política - aliança
ao Khan na Ásia; 1750
/ Sociedade - privilégios
e rotura; 1850
/ Sexo - a
natureza ambígua; 19--
/ Nascimento - em
plena Grande Guerra; Actualidade
- com
a filha, fecunda afirmação. Mantendo a idade e um aspecto
andrógino, Orlando transforma-se num mundo de homens; aceite como
tal na época victoriana, pois «o espírito do século conseguiu
alcançá-la e destruí-la», logra enfim libertar-se, não mais
ligada ao destino…
A
partir do romance de Virginia
Woolf,
eis Orlando
(1992) de Sally
Potter.
O cinema expõe-se como imaginário esplendoroso, fascinante, pela
conexão narrativa e articulação cronomediática, sobretudo em
testemunho - simbólico, sugestionador, pungente, vitalista - sobre a
pulsão feminina, além dos fantasmas e dos logros, das máscaras e
das vicissitudes.
MEMÓRiA
15OUT1923-1985
- Italo Calvino: Escritor italiano - «Não
é verdade que já não me lembro de nada, as memórias ainda estão
lá, escondidas no novelo cinzento do cérebro, no húmido leito de
areia que se deposita no fundo da torrente dos pensamentos...».
IMAG.51-271-290-291
15OUT1923-2010
- Henrique de Senna Fernandes: Escritor e professor português,
natural de Macau - «Personalidade ímpar que acompanhou sucessivas
gerações de portugueses, macaenses e chineses, constituindo uma
referência perene da identidade de Macau» (Aníbal Cavaco Silva).
IMAG.327
1728-16OUT1793
- John Hunter: Cientista e cirurgião escocês, professor e pioneiro
de técnicas experimentais, como tratamento cirúrgico de aneurismas,
transplantes e regeneração de tecidos e doenças venéreas, entre
os fundadores da anatomia patológica, fisiologista, coleccionador
devotado ao estudo de animais de todo o mundo, serviu na Armada
Britânica, sendo autor de Observações
e Reflexões Sobre Geologia,
a partir de estudos na planície do Alentejo (1762-1763).
1818-18OUT1893
- Charles-François Gounod: Compositor francês - «As ideias
musicais brotam na minha mente como um voo de borboletas, e tudo o
que eu tenho de fazer é estender a mão para as colher» (1863).
IMAG.54-84-183-375
19OUT1913-1980
- Vinicius de Moraes: Poeta, dramaturgo, diplomata e compositor
brasileiro - «É claro que a vida é boa / E a alegria, a única
indizível emoção / É claro que te acho linda / Em ti bendigo o
amor das coisas simples / É claro que te amo / E tenho tudo para ser
feliz / Mas acontece que eu sou triste...» (Dialética).
IMAG.248-282
21OUT1833-1896
- Alfred Nobel: Químico sueco e inventor da dinamite, misturando
nitroglicerina com argila. Em testamento de 1895, estipulou os
Prémios Nobel para distinguir as personalidades que, durante o ano,
trabalharam em benefício da Humanidade - nas áreas da Física,
Química, Fisiologia/Medicina, Literatura, Paz e (a partir de 1969)
da Economia. IMAG.297
CALENDÁRiO
13MAR-27ABR2013
- Em Lisboa, no Teatro da Politécnica, Artistas Unidos apresenta
2013
- exposição de pintura / escultura de Sérgio Pombo.
BREVIÁRiO
Artificial
Eye edita em Blu-ray, Orlando
(1992) de Sally Potter; com Tilda Swinton e Billy Zane. IMAG.328
Harmonia
Mundi edita em CD, Georg
Friedrich Händel
[1685-1759]:
Il Pastor Fido por
Lucy Crowe e Anna Dennis, com La Nuova Musica, sob a direcção de
David Bates. IMAG.196-222-243-253-296-376-410-411-426
VISTORiA
E
assim, mesmo agora, se me perguntam que forma tem o mundo, se
perguntam ao mim mesmo que mora no interior de mim e guarda a
primeira impressão das coisas, tenho de responder que o mundo está
disposto sobre uma porção de sacadas que irregularmente se debruçam
sobre uma única grande sacada que se abre no vazio do ar, no
parapeito que é a breve tira do mar contra o imenso céu, e naquele
peitoril ainda se debruça o verdadeiro de mim mesmo no interior de
mim, no interior do suposto morador de formas do mundo mais complexas
ou mais simples, mas derivadas, todas elas, dessa forma, bem mais
complexas e ao mesmo tempo muito mais simples, na medida em que todas
estão contidas naqueles desaprumos e declives iniciais ou deles
podem ser deduzidas, daquele mundo de linhas quebradas e oblíquas
entre as quais o horizonte é a única recta contínua.
Italo
Calvino
-
O
Caminho de San Giovanni
(excerto)
Procura-se
Um Amigo
Não
precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter
coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem
que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do
canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande
amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve
amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo.
Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não
é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja
de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são
enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro,
mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no
caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa.
Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o
de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso
vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não
puderam nascer.
Procura-se
um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado
de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de
grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um
amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e
triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e
da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de
caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de
se deitar no capim.
Precisa-se
de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é
bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se
parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de
memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas
que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se
vive.
Vinicius
de Moraes
Estava
um belo dia de outono para a pesca, o céu límpido, a paisagem toda
alumiada de tons metálicos, como só acontece nos meses de Outubro e
Novembro. O Belo Adozindo escapulira de casa cedo, evitando
encontrar-se com o pai. Eram sete e meia e encaminhava-se para a
Praia Grande, onde embarcaria num barco à vela com amigos, para umas
horas ao largo de Macau. Ia apetrechado para a pesca, o caniço e as
linhas novas, os anzóis vindos de Hong Kong, duma casa da
especialidade, o cesto contendo a isca. Vestia-se todo aperaltado e
nada conforme com o à vontade que tais excursões exigiam. Seria
ridículo se não procedesse com naturalidade e espontaneidade,
porque era incapaz de se apresentar doutra forma. O grande
conquistador da praça tinha responsabilidades quanto a manter a sua
fama. Nunca se sabia quem ia encontrar, embora ainda fosse cedo.
Respirou
fundo a brisa matinal, a Estrada da Victória era uma recta dourada e
não viu nenhum riquechó. Não se sentiu contrariado, cortou o
Jardim de Vasco da Gama, ladeando os chafarizes, onde os fios de água
prateada saltitavam, como garotos irrequietos. Para encurtar caminho,
dobrou a primeira esquina, intemando-se na área do Cheok Chai Un.
Até
então, esquivara-se do bairro de má fama, mas não acreditou que
alguém fizesse mal, em pleno dia, a um homem pacífico que ia
inocentemente à pesca, com o único peso na consciência de faltar
ao trabalho. Mas os berros do pai podiam com facilidade serem
amansados.
Chegou,
sem novidade, à zona do poço, numa hora de grande actividade, as
aguadeiras e lavadeiras a puxar os baldes ou formando bicha, num
borborinho de vozes que soavam alegremente. E tudo teria passado
despercebido, não ficando nada na memória, senão um quadro inédito
se, nesse instante, não espadanasse uma gargalhadinha moça e sadia
a evolar-se pelo ar, muito perto. Deteve-se primeiro curioso, depois
com súbito interesse pela beleza rústica donde partia o riso.
Gostou do que viu. Nunca contemplara uma moça tão atraente, de pé
descalço, e nem podia adivinhar que um bairro de «facínoras e
desordeiros» entesourasse uma bela jóia como aquela. Nunca vira,
também, uma trança igual, tão preta que fulgia ao sol.
Henrique
de Senna Fernandes
-
A Trança Feiticeira
(excerto)
COROLÁRiO
Charles-
François Gounod
Vencedor
do Prix de Rome, em 1839, Gounod (1818-1893) foi anos mais tarde
desviado
da vida religiosa por Pauline Viardot. Várias tentativas infelizes
na ópera e uma Messe
Solennelle antecedem o imenso
sucesso que obtém com Faust
[1859]. Êxito que (quase) repetirá com Roméo
et Juliette, em 1867. É hoje
ainda sobre este par de obras que repousa a posteridade de Gounod,
sem esquecer, claro está, o famosíssimo Ave
Maria, sobre o Prelúdio I do
Cravo Bem Temperado.
Modernamente, a ópera Mireille
[1864] vem tendo certa reapreciação. Foi professor de Bizet e o seu
estilo influenciou as gerações de músicos franceses que lhe
sucederam.
08JAN2009
- Diário de Notícias
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