sexta-feira, dezembro 22, 2017

IMAGINÁRiO #426

José de Matos-Cruz | 08 Julho 2013 | Edição Kafre | Ano X – Semanal – Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MISTIFICAÇÕES
Em 1925-1977, desde o regime dos senhores da guerra até à revolução cultural, perfila-se o destino de dois populares artistas - treinados, a partir da infância, para papéis feminino e masculino, segundo tradição da Ópera de Pequim. Porém, assumindo a tragédia em palco, Cheng Dieyi apaixona-se por Duan Xisolou, por sua vez afeiçoado a Ju Xian, uma prostituta com quem casará… Eis Adeus, Minha Concubina (1993), galardoado com a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. Outros conflitos de sedução e dilemas de identidade estilizam-se, artificiosamente, nesta realização difusa mas segura de Chen Kaige - com argumento de Lilian Lee, autora do romance original, e Lu Wei - tendo por fundo meio século de história da China, sob crises sociais e mutações políticas. Sentimentos avassalados, um subtil erotismo, a hibridez humana e funestas rivalidades envolvem tal olhar solene, dilacerante, que maquilha os seres e realiza a teatralidade - sobre um drama clássico, cuja história remonta ao ano 206 antes de Cristo, durante a dinastia Quin - sondando a morte, qual íntima solidão; ou como enfrentar a homossexualidade, despistando a censura.

CALENDÁRiO

20SET2012-27JAN2013 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta, com Espírito Santo Cultura e Instituto Moreira Salles, Charles Landseer - Desenhos e Aguarelas de Portugal e do Brasil, 1825-1826, sendo comissária Leslie Bethel.

ANUÁRiO

1614 - Em Almada, Pragal, o editor Pedro Craesbeeck edita, com organização de Frei Belchior Faria, Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouvio no reyno da China, no da Tartaria, no de Sornau, que vulgarmente se chama de Sião, no de Calaminhan, no do Pegù, no de Martauão, & em outros muytos reynos & senhorios das partes Orientais, de que nestas nossas do Occidente ha muyto pouca ou nenhua noticia. E também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a outras muytas pessoas. E no fim della trata brevemente de alguas cousas, & da morte do Santo Padre Francisco Xavier, unica luz & resplandor daquellas partes do Oriente, & reitor nellas universal da Companhia de Iesus.

VISTORiA

A Coluna Que, Lambida Até Fazer Sangrar a Língua, Cura a Icterícia

Desgastar com a língua - heróico tratamento!
Pois só exangue estando a metem para dentro -
Como outros loucos mil, os flancos do pilar!
Mas como não correr, como se não vergar,
Fascinado pela esperança, evidente ou quimérica
('Sperança! alavanca-mor! todo o tio da América
((Esse jovem país, inda úbere e bendito,
- Virgem até tão tarde e dos atlas proscrito -
Onde oiro há aos milhões, mais que no velho mundo,
Quer porque - o apetitoso apela pelo imundo -
Aos cem mil quilos há quem fabrique um adubo
Par'esse campo infindo onde, focinho agudo,
(((Um cão doente fica hidrófobo num dia;
Ver se sempre esse líquido, que até a cria
Mais ensinada engole, sai do animalzinho
Do homem tão amigo, e lhe pule o focinho,
É acto, atentai bem, não menos necessário
Que: - quando o inimigo envia um emissário,
Nos olhos do intruso uma venda aplicar;
- Quando um rei passa, junto ao seu coche postar
Nos pontos cardiais um moto-ciclista;
- Quando, em conspiração, nomes o chefe alista,
Quanto na mente houver, tudo averbar em cifra;
- Para o passaro que pilha hesite e mais não esmifre,
A sementeira encher de espantalhos se faça;
- Velho ((((no nosso inverno a trunfa humana é escassa,
Tal o que semeado é ao sol estival
Se vai, quando ele no fim passa o sol invernal;)))),
Fugir de usar chapéu ou de se expor ao ar;
- Resguardar os tostões salvos do lupanar,
Ao fim de muito andar de cueca em cueca;
- Ir ao trinco e corrê-lo, à hora da soneca;
- Antes de em corda bamba exercitar-se, à mão
Um pênd'lo sempre ter;))), cem cães ajuda dão…
Raymond Roussel
- Novas Impressões de África (excerto - Tradução de Luiza Neto Jorge)

VISTORiA

Prouve a Nosso Senhor que cheguei a salvamento à cidade de Lisboa, aos vinte e dois de Setembro do ano de 1558, governando então este reino a rainha Dona Catarina, nossa senhora que santa glória haja, a quem dei a carta que lhe trazia do governador da Índia, e lhe relatei por palavras tudo o que me pareceu que fazia a bem do meu negócio. Ela me remeteu ao oficial que então tinha a cargo tratar destes negócios, o qual com boas palavras e melhores esperanças, que eu então tinha por muito certas, pelo que ele me dizia, me teve os tristes papéis quatro anos e meio, no fim dos quais não tirei outro fruto senão os trabalhos e pesadumes que passei no requerimento, que não sei se diga que me foram mais pesados que quantos passei no decurso do tempo atrás.
E vendo eu quão pouco me fundiam tanto os trabalhos e serviços passados, como o requerimento presente, determinei de me recolher com essa miséria que trouxera comigo, adquirida por meio de muitos trabalhos e infortúnios, e que era o resto do que tinha gasto em serviço deste reino, e deixar o feito à justiça divina, o que logo pus em obra, pesando-me ainda por que o não fizera mais cedo, porque se assim o fizesse, quiça me pouparia nisso um bom pedaço de fazenda.
E nisto vieram a parar meus serviços de vinte e um anos, nos quais fui treze vezes cativo e desasseis vendido, por causa dos desventurados sucessos que atrás no decurso desta minha tão longa peregrinação, largamente deixo contados.
Mas ainda que isto seja assim, não deixo de entender que ficar eu sem a satisfação que pretendia por tantos trabalhos e por tantos serviços, procedeu mais da providência divina que o permitiu assim por meus pecados, que de descuido ou falta alguma que houvesse em quem por ordem do céu tinha a seu cargo satisfazer-me porque como eu em todos os reis deste reino (que são a fonte limpa donde emanam as satisfações, ainda que às vezes por canos mais afeiçoados que arrazoados) enxerguei sempre um zelo santo e agradecido, e um desejo larguíssimo e grandioso, não somente para galardoar a quem os serve, mas também para fazer muitas mercês ainda a quem os não serve, daqui se entende claramente que se eu e os outros tão desamparados como eu ficámos sem a satisfação dos nossos serviços, foi somente por culpa dos canos e não da fonte, ou antes, foi ordem da justiça divina, em que não pode haver erro, a qual dispõe todas as coisas como lhe melhor parece, e como a nós mais nos cumpre. Pelo que eu lhe dou muitas graças ao Rei do céu, que quis que por esta via se cumprisse em mim a sua divina vontade, e não me queixo dos reis da terra, pois eu não mereci mais, por meus grandes pecados.
Fernão Mendes Pinto
- Peregrinação (excerto)

E lá ficaram eles, mas não tão entregues como durante a noite. Ela buscava algo e ele buscava algo, ambos furiosos, fazendo caretas; enterrando a cabeça, um no peito do outro, eles procuravam-se, e os seus abraços e os seus corpos, arqueados, não os faziam esquecer, mas antes lembrar-se da obrigação de continuar em busca; como os cães raspam desesperadamente o chão, eles raspavam os seus corpos e, desamparados, decepcionados, para alcançar ainda uma última felicidade, às vezes eles passavam a longa língua pelo rosto um do outro. Só o cansaço os acalmava e os tornava mutuamente gratos.
Franz Kafka
- O Castelo (1926, excerto)


Ao caminharmos suavemente por Père Lachaise, Peter Orlovsky e eu sabíamos ambos que iríamos morrer e assim demos as nossas temporárias mãos ternamente numa eternidade em miniatura como uma cidade
Allen Ginsberg
- No Túmulo de Apollinaire

MEMÓRiA

03JUL1883-1924 - Franz Kafka: Escritor austro-húngaro, de língua alemã - «Talvez haja apenas um pecado capital: a impaciência. Devido à impaciência, fomos expulsos do Paraíso; devido à impaciência, não poderemos voltar». IMAG.31-84-131-165-355-387

1765-05JUL1833 - Joseph-Nicéphore Niépce: Cientista e inventor francês, logrou relacionar a câmara escura com os sais de prata sensíveis à luz para obter imagens fixas (1814), conseguindo ainda fixar em papel as primeiras imagens fotográficas (em negativo) da história (1816).

1510-08JUL1583 - Fernão Mendes Pinto: Comerciante, aventureiro, explorador e expedicionário português, autor de Peregrinação, tendo alcançado o Japão em 1543. IMAG.17-122-148

08JUL1933-2010 - Peter Orlovsky: Poeta da beat generation, companheiro de Allen Ginsberg - «Um espírito original e requintado» (Gregory Corso - 1977). IMAG.306

12JUL1933-2008 - Donald Westlake: - Escritor norte-americano, sob nome próprio e vários pseudónimos - «Em Nova Iorque, toda a gente está a olhar para algum lado; uma vez por outra, alguém encontra o que procura». IMAG.231

1877-14JUL1933 - Raymond Roussel: Escritor francês, precursor do surrealismo, autor de Impressões da África (1910) e Locus Solus (1914) - «O maior magnetizador de todos os tempos» (André Breton).

BREVIÁRiO

Estevez Seven edita em DVD, Adeus, Minha Concubina / Bàwáng Bié Jī (1993) de Chen Kaige; com Leslie Cheung e Zhang Fengi. IMAG.287

Planeta edita O Estudante de Coimbra de Guilherme Centazzi (1808-1875).

Sony edita em CD, sob chancela Vivarte, Georg Friedrich Händel [1685-1759], [Francesco Saverio] Geminiani [1687-1762], [Henry] Purcell [1659-1695], [Antonio] Vivaldi (1678-1741) por Tafelmusik, sob a direcção de Jeanne Lamon.
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Antígona edita Contos Completos de Fernando Pessoa (1888-1935); organização de Zetho Cunha Gonçalves.
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