terça-feira, novembro 07, 2017

IMAGINÁRiO #397

José de Matos-Cruz | 01 Dezembro 2012 | Edição Kafre | Ano IX – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

FANTASIAS
Os novos horizontes da banda desenhada portuguesa, sob o signo do fantástico, evoluem em Mahou - Na Origem da Magia de Ana Vidazinha (argumento) e Hugo Teixeira (ilustração), com auspiciosa edição Asa.
Em causa, Bia - uma miúda que, depois de ter consultado um livro numa biblioteca, se vê transportada para o planeta Mahou, aí descobrindo as suas raízes familiares. Em Mahou, existia Magia: a Magia Comum e a Alta Magia. Até que se deu o Grande Cisma e se expandiu a Tecnologia, iniciando-se uma guerra que durou anos… Além da carga imaginária e fabulosa, da essencial dualidade entre as caprichosas personagens e a história em exposição, numa dimensão singular e humanista, sagra-se toda uma memória planetária - em que o elã prodigioso, o onírico e o ancestral correspondem a uma simbólica expressão lendária dos valores e da moralidade, inerentes ao culto; e simbolizada numa contemporânea equivalência sobre os sentimentos humanos, ou numa dramática implicação pelas contingências do real em transfiguração.

NOTICIÁRiO

Rham-a-Samá

Temos entre nós Rham-a-Samá, o homem selvagem, de que a imprensa e as sociedades médicas de Paris, Londres e Madrid tanto se ocuparam. Rham-a-Samá é um exemplar único até hoje conhecido. Foi agarrado há cinco anos na Índia, nas montanhas do Himalaia. Supõe-se que o apanharam naquelas paragens, vivendo ali em camaradagem com a macacaria, durante muito tempo. Nutre especial afeição pelas crianças, a quem acaricia com satisfação. Tem quarenta e cinco anos, pouco mais ou menos. É baixo, largo de costas, pernas curtas, braços de construção regular e peito desenvolvido. As costas e todo o corpo, à excepção dos pulsos, são cobertos de abundantes cabelos pretos, com a particularidade de nascerem para cima. Os cabelos dos braços, do peito e das pernas, são iguais às cerdas dos porcos e dos javalis. Sem dúvida, produto de uma falta de higiene até tomarem aquele tamanho. Os beiços são enormes, e o inferior caído e de extraordinária grossura. Não fala, apenas dá gritos como os orangotangos. A alimentação reduz-se a vegetais, que ingere crus. Este extraordinário fenómeno em descrição apresenta-se hoje no Salão do Colyseu da Rua da Palma. Os homens da ciência e os antropologistas que o estudem a fundo.
15DEZ1895 - Diário de Notícias

MEMÓRiA

06DEZ1922-2003 - José Viana: «Era um homem de múltiplos interesses e amores. A sua vida girou à volta do teatro, da cenografia, da pintura, da escrita e do cinema» (Portal da Estrela

ANTIQUÁRiO

30NOV1872 - À presente data, o activo/passivo do Banco de Portugal é de 20:190:756$802 réis.

ANUÁRiO

1872 - No corrente ano, o concelho de Porto Santo (Madeira) produz 4.072 hectolitros de vinho.

1932-2010 - Paulo-Guilherme d’Eça Leal: Filho de Olavo d’Eça Leal; arquitecto, decorador, gráfico, ilustrador, cineasta, ficcionista, poeta - autor dos livros O Dilúvio de Quéops (1993), As Sete Portas de Arsenise (1995), Ainda É Cedo Para Ser Tarde (1997) ou Depressa, Que O Verso Foge… (1999). IMAG.327

1879-1942 - Julio Sagreras: Compositor, guitarrista e pedagogo argentino, fundador da Academia de Guitarra (1905) - «Faz-se presente ao aluno de que os pontos colocados ao lado do número que indica a corda, significam que as outras notas que se seguem, correspondem a essa mesma corda» (As Primeiras Lições de Guitarra).

1942-2010 - Manuel Cintra Ferreira: Crítico de Cinema, programador da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema - «Foi através dos filmes e dos textos que sobre eles escreveu que expressou o seu humanismo, a sua cidadania e o seu gosto artístico» (António Loja Neves). IMAG.26-72-92-161-169-331

VISTORiA

Depressa Que o Verso Foge…

Gastei as quatro folhas do meu trevo
e outro não consigo encontrar.
Foi-se-me a sorte, resta-me o destino.
Em todo o caso, lê o que eu escrevo,
lê tudo o que puderes decifrar,
na minha letra tosca de menino.

Para ser amanhã só falta um minuto,
é improvável que algo aconteça.
Não é agora o fim, não é para hoje
mas como a negra morte está de luto
e a roda da fortuna é travessa,
lê depressa, lê já, que o verso foge…
Paulo-Guilherme D’Eça Leal
- Depressa, Que O Verso Foge…

COMENTÁRiO

O Couraçado Potemkine

É do conhecimento geral como o projecto O Ano de 1905 se transformou em O Couraçado Potemkine que em princípio seria apenas um dos seis episódios. Em traços gerais aqui fica o filme dos acontecimentos: o projecto inicial ia da guerra russo-japonesa (cuja sucessão de desastres foi uma das causas que levou à revolução) até à revolta armada de Moscovo, e era constituído por seis episódios, a saber: 1 - A guerra russo-japonesa: 2 - O nove de Janeiro e a vaga de greves; 3 - Revoltas camponesas; 4 - A greve geral e a sua repressão; 5 - Contra-ofensiva reaccionária: os programas e os massacres na Arménia; 6 - Krasnaya Presnaya. Num texto escrito pouco antes da sua morte, Sergei M. Eisenstein narra como o tempo nebuloso que atrasou o previsto início das filmagens, levou a equipa a dirigir-se para o Sul para filmarem em Odessa dois dos episódios: a greve dos estaleiros e a manifestação que se seguiu à revolta do Potemkine que o argumento original se resumia a quarenta e dois planos. Simplesmente, ao ver a escadaria de Odessa, Eisenstein ficou fascinado pelas potencialidades estéticas que sentia nela. Eisenstein contou a sua génese num texto publicado depois da sua morte: «A sequência fora primitivamente planificada de modo a desenvolver em acrescento o tema da crueldade das represálias dos cossacos… A sequência devia concluir por um plano grandioso da escadaria monumental. Esta escadaria deveria ser utilizada apenas como elo dramático e rítmico entre as vítimas da tragédia que nela vinham morrer. Mas nenhuma das versões preparatórias, nenhum plano de montagem previa uma fuzilaria da escadaria de Odessa. Ela surgiu-me como um relâmpago, mal vi essa escadaria».
Assim, o que devia ser um amplo fresco do ano revolucionário de 1905 transformou-se na narrativa de um único acontecimento, e mesmo um dos menos significativos que, pela força das imagens novas criadas por Eisenstein, se tornou o símbolo da revolução, e uma sequência imaginada pelo realizador, o massacre na escadaria, o episódio central da narrativa…


Segundo Barthélemy Amengual, no seu monumental Que Viva Eisenstein, as imagens finais da Armada que se dirige para o Potemkine, provocara uma certa inquietação no Reichstag alemão, que se «interrogou sobre a importância da marinha de guerra soviética», acrescentando a seguir o segredo revelado por Eisenstein. Tratava-se, de facto, de velhas actualidades que nem sequer eram da marinha imperial russa e sim duma certa potência estrangeira. Provavelmente a British Navy, acrescenta Amengual. Hoje é difícil isolar esses planos do resto da sequência de tal modo a diferença é praticamente invisível, mas eles reforçam esse lado documental que Potemkine apresenta, concretamente, em todas as sequências no interior do couraçado, do trabalho das máquinas, dos beliches e nos mil e um pormenores do dia a dia dos marinheiros. É a que se refere John Grierson (que trabalhou na versão americana do Potemkine), quando afirmou, mais tarde, que também a escola documental inglesa teve a sua origem na obra-prima de Eisenstein. Este aspecto é apenas uma das muitas facetas deste filme que ainda hoje desperta paixões e que, invariavelmente, aparece em todas as listas dos Melhores Filmes de Sempre desde 1952. É também com Citzen Kane, de Orson Welles, e The Birth of a Nation, de D.W. Griffith, um dos momentos fundamentais da história do cinema, um daqueles em que a linguagem deu um salto qualitativo de dimensões gigantescas. Porque é na linguagem que reside a maior novidade de Potemkine com Eisenstein controlando rigorosamente as experiências iniciadas em A Greve, e levando-as à perfeição absoluta. Como a sua primeira longa metragem, também Potemkine está construído em forma de uma composição musical, em que cada um dos cinco episódios em que se divide corresponde a um andamento preciso, onde a montagem deixa de ser a simples ligação de planos numa forma narrativa, para dar um ritmo cinematográfico de tipo novo. Um dos momentos mais citados do tipo de montagem que Eisenstein desenvolve neste filme é o dos leões de pedra cuja sucessão, após o bombardeamento, parece criar vida.
O Couraçado Potemkine é, possivelmente, um dos filmes mais analisados da história do cinema. Não vamos portanto alongar-nos sobre aspectos já examinados até à exaustão como é a questão da montagem e das metáforas que o filme constantemente desenvolve. Lembramos apenas, a terminar, o impacto poderoso que este teve em todo o mundo, tanto do ponto de vista estético (como já dissemos, o cinema mudou radicalmente após este filme), como do ponto de vista revolucionário.
Manuel Cintra Ferreira
(adaptação) Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema

CALENDÁRiO

03-18MAR2012 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe, com Comité Português do Projecto Unesco Rota dos Escravos, Os Africanos Em Portugal - História e Memória - Séculos XV-XXI.

BREVIÁRiO

EMI Music edita em CD e DVD, sob chancela Virgin, Le Voyage Dans la Lune por Air; inclui o clássico (1902) de Georges Méliès. IMAG.61-163-350

Dom Quixote edita Paiva Couceiro [1861-1944] - Diários, Correspondência e Escritos Dispersos de Filipe Ribeiro de Meneses. IMAG.262

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