sábado, setembro 23, 2017

IMAGINÁRiO #375

José de Matos-Cruz | 16 Junho 2012 | Edição Kafre | Ano IX – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

EXÍLIOS
Um dos mais fascinantes e misteriosos cineastas de todos os tempos, que sublimou o talento de autor europeu com o espectáculo ritualizado em Hollywood, Josef Von Sternberg (1894-1969) foi, no início dos anos ’50, incumbido por Howard Hughes de concretizar duas fitas, a cargo da RKO: Jet Pilot (1950) - apenas lançado entre nós em 1957, como Estradas do Inferno; e Macao (1952) - que nunca estreou comercialmente em Portugal, logo por óbvias razões geopolíticas. Longe iam já as cintilações de um vínculo mítico com Marlene Dietrich, até The Devil Is a Woman (1935); e mesmo a actividade primordial de Sternberg há muito esmorecera, desde Aconteceu Em Xangai (1941). Aliás, o realizador austríaco estaria cada vez mais farto com as actuais condições de trabalho e dificuldades de produção - assumida em Macao por Alex Gottlieb, com argumento de Bernard C. Schoenfeld & Stanley Rubin, sobre enredo de Bob Williams. Consagrado como um fenómeno de génio e subversão, desde meados da década de ’20, em plena magia das imagens silenciosas, Sternberg abandonou a carreira pouco depois, sendo o seu título culminante The Saga of Anatahan (1953), a convite da indústria nipónica. A acidentada rodagem de Macao principiou em Setembro de 1950, antes de estar finalizado Jet Pilot, mas só viria a público longos meses após a conclusão. IMAG.86-141-282

CALENDÁRiO

1941-13SET2011 - Jean-Paul Mougin: Editor francês, criador da revista de banda desenhada (À Suivre) em 1978 - «Um ser humano encantador e caloroso, de uma grande generosidade, que engrandeceu os valores da fidelidade, da inteligência e da cultura» (Casterman).

28FEV1911-15SET2011 - Otakar Vávra: Cineasta checo, professor da Escola Superior de Cinema de Praga - «Uma das personalidades mais significativas na história da nossa cinematografia, e mestre da mais importante geração do cinema checo» (Pavel Jech).

01AGO1931-16SET2011 - Tom Wilson: Cartoonista americano, criador de Ziggy (1971) - «Era um homem muito apaixonado e carismático, o que se reflectia em tudo o que ele realizava» (Tom Wilson Jr).

22SET2011 - ZON Lusomundo estreia A Morte de Carlos Gardel de Solveig Nordlund; com Carlos Malvarez e Celia Williams. IMAG.23-46-120

23SET2011 - Em Lisboa, BES Arte & Finança expõe Aparições - 1956-2006- A Fotografia de Gérard Castello Lopes (1925-2011); organização de Jorge Calado. IMAG.249

30SET-27NOV2011 - Em Lisboa, Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva apresenta EXD’11 - Exposição Utilitas Interrupta.

02DEZ1922-26SET2011 - Guido Nolitta, aliás Sergio Bonelli: Editor italiano de banda desenhada, argumentista de Tex Willer - «As novas gerações não gostam do género western. Tex continua a ser a bd mais vendida na Itália mas, mensalmente, perde uma certa quantidade de leitores» (2008 - a José Carlos Francisco). http://kuentro.blogspot.com/ - IMAG.31-174-193

MEMÓRiA

21JUL1911-1980 - Marshall McLuhan: Filósofo e pedagogo canadense - «A nossa actualidade é um mundo inteiramente novo, em que tudo existe em simultâneo - neste momento. O tempo cessou, o espaço desapareceu. Vivemos, agora, numa aldeia global».

17JUN1882-1971 - Igor Stravinsky: Compositor, maestro e pianista russo - «A função do criador define-se na necessidade de depurar, pela tradição, os elementos que recebe da imaginação, pois a actividade humana tem de impor limites a si própria. Quanto mais a arte é controlada, limitada, trabalhada, mais livre ela é». IMAG.186-302-317-324

18JUN1872-1935 - Ana de Castro Osório: Escritora, fundadora da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas - «Mal pago é todo o trabalho em Portugal, mas sempre mais mal pago que nenhum é o da mulher. Pudesse ele ser bem remunerado - que não lho deixariam os homens, não!» (Carta a Martins dos Santos, director de Germinal). 1911 - Radical - IMAG.72

1866-21JUN1942 - António Teixeira Lopes: «…Um grande escultor-decorador e, na correspondente ordem de trabalhos, dá-se com ele um facto raríssimo entre os artistas, qual é o de, com igual facilidade e maestria, dominar e assimilar por completo os diversos estilos decorativos» (António Arroyo - Soares dos Reis e Teixeira Lopes - 1899).

INVENTÁRiO

Vários foram os motivos do atraso sobre o lançamento ao público de Macao (1952), que se prenderiam à obscura história dum projecto que, liminarmente, pretenderia celebrar a reunião de duas vedetas carismáticas - Jane Russell e Robert Mitchum, após Redenção (1951 - John Farrow). Porém, logo no começo das filmagens, os conflitos estalaram. Recordaria Russell que, tendo Sternberg proibido a comida no set, Mitchum apareceu no dia seguinte com um cesto de piquenique... Por outro lado, Hughes não gostou de uma sequência de acção num iate, e incumbiu Nicholas Ray - um dos «seis palhaços» nomeados para a supervisão de Macao, como lhes chamou Sternberg nas memórias Fun In a Chinese Laundry - para voltar a dirigi-la. Então casado com Gloria Grahame, uma das actrizes no elenco, Ray refez outras cenas do início e todo o epílogo, que escreveu com Mitchum. Nessa altura, já Sternberg se tinha afastado definitivamente, e veio a renegar o seu último filme em Hollywood. No entanto, os nomes dos outros «não figuram no genérico» e, por direito inerente, Macao é-lhe atribuído - como matriz de fronteira entre o olhar clássico, quanto às virtualidades do film noir, e a versão moderna que Ray vinha a representar. Assim, acabando por converter-se em obra de produtor - tendo Hughes vacilado numa estratégia de difusão - e seria um exercício estulto averiguar o que pertence a cada um dos notáveis realizadores.
Insuperável, o estilo visual de Sternberg persiste na vertigem dum elã captado pelos movimentos de câmara, sobretudo quanto ao bulício das ruas reconstituído em estúdio; na sua famosa composição geométrica, patente pela essencial arquitectura cénica sobre os interiores do casino; ou numa peculiar disposição dramática entre os homens e as mulheres, como títeres reactivos ou símbolos sensuais. Em tal nexo, Mitchum emerge perturbador, sob a intriga criminal, e o fulgor de Russel incendeia um contexto exótico, pelo Extremo Oriente - enquadrado em imagens de arquivo, relativas à realidade exterior. Vindos de Hong-Kong, chegam a Macau: Lawrence Trumble, um detective nova-iorquino disfarçado de caixeiro-viajante; Julie Benson, uma atraente aventureira e cantora de nightclub; e Nick Cochran, um americano que não pode regressar à pátria, por acusação de tiroteio. Trumble tem como alvo Vincent Halloran - influente proprietário das casas-de-jogo que Sebastian, um oficial da polícia portuguesa protege - acabando perseguido por cúmplices da sua vítima... Embora com distintas implicações, a memória do cinema regista, em tal temática, Labaredas (1942 - Jean Delannoy) ou, de recorte nacional, Operação Estupefacientes (1966 - Miguel Spiguel). Todavia, Macao é um único testemunho artístico, simbolizando o cinismo humano no exílio do paraíso.

BREVIÁRiO

Harmonia Mondi edita em CD, Wolfgang Amadeus Mozart [1756-1791]: String Quartets, K. 157, 458, 589 por Jerusalem Quartet. IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-186-205-216-217-220-227-277-284-285-290-317-321-342-349

Ulisseia edita A Praia de Cesare Pavese (1908-1950); tradução de Ana Tomás. IMAG. 56-173-233-288

Sony edita em CD, Charles Gounod [1818-1893]: Roméo et Juliette por Bidu/Balduína Sayão e Jussi Björling, com Metropolitan Opera, sob a direcção de Emil Cooper. IMAG.54-84-183

DEDICATÓRiA

Pois que dedico esta coisa ai ao antigo Schumann e a sua doce Clara que são hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra muito escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue. Dedico-me sobretudo aos gnomos, anões, sílfides e ninfas que me habitam a vida. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido lagosta. Dedico-me à tempestade de Beethoven. A vibração das cores neutras de Bach. A Chopin que me amolece os ossos. A Stravinsky que me espantou e com quem voei em fogo. À morte e transfiguração, em que Richard Strauss me revela um destino? Sobretudo, dedico-me às vesperas de hoje e a hoje, ao trasnparente véu de Debussy, a Marlos Nobre, a Prokofiev, a Carl Orf, a Schönngberg, aos dodecafônicos, aos gritos rascantes dos eletronicos - a todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponte de eu neste instante explodir em : eu. Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas mim, preciso dos outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado, enfim que é que se há de fazer senão meditar para cair naquele vazio pleno que só se atinge com a meditação. Meditar não precisa de ter resultados: a meditação pode ter como fim apenas ela mesma. Eu medito sem palavras e sobre o nada. O que me atrapalha a vida é escrever. E - e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existencia do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando. Esta história contece em estado de emergencia e calamidade publica. Trata-se de um livro inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo me dê. Vós? É umas hitória em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.
Clarice Lispector
IMAG.158
PARLATÓRiO

O novo é sempre construído a partir do velho, ou melhor, o que as pessoas vêem no novo é, sempre, algo de velho no espelho retrovisor. O futuro do futuro é o presente, e isso é algo que amedronta as pessoas.
Marshall McLuhan


OBSERVATÓRiO

- André Ruivo - Blog - Artista de banda desenhada, realizador de cinema de animação - Todos os domingos, novas imagens!
 

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