segunda-feira, agosto 28, 2017

IMAGINÁRiO #359

José de Matos-Cruz | 16 Fevereiro 2012 | Edição Kafre | Ano IX – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO 

OBSESSÕES
Memórias, vivências, momentos solenes, intensos desafios, reflectem-se em Magríficas Obsessões - João Bénard da Costa, Um Programador de Cinema por António Rodrigues, cumprindo o projecto nascido de uma troca de impressões com Gianlucca Farinelli, durante o Festival Cinema Ritrovato, em Bolonha. Obra de análise e testemunho, de referência e comentário, dividida «em cinco partes, que acompanham cronologicamente as actividades de João Bénard da Costa (5 de Fevereiro de 1935 / 21 de Maio de 2009) como programador de cinema, sem esquecer que esta actividade nem sempre foi totalmente solitária e que ele teve diversos colaboradores, mais ou menos próximos, mais ou menos ouvidos». Sob chancela editorial da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, da qual Bénard da Costa foi director e presidente, após actividade determinante na Fundação Calouste Gulbenkian, eis as marcas e as memórias, as paixões e as vivências de quem ousou «formar o gosto de quem eu quero que goste tanto como eu gosto e que, se possível, goste como eu gosto». IMAG.27-190-208-222-252-287

MEMÓRiA

1901-17FEV1982 - Lee Strasberg: Actor, encenador, produtor, professor, fundador do Actor’s Studio (Nova Iorque) - «A arte é maior que a vida. Se nós não podemos alcançar a possibilidade da grandeza, de que nos serve sonhá-la?». IMAG.347

18FEV1862-1939 - Charles M. Schwab: «A personalidade está para o homem, tal como o perfume está para a flor».

1901-18FEV1952 - Enrique Jardiel Poncela: «Para ser moral, basta existir um tal propósito; para ser imoral, há que dispor de condições especiais». IMAG.342

1454-22FEV1512 - Americo Vespucio: «A sua ambição fora alentada pelo que Colombo tentara, e segundo ele não conseguira, isto é, chegar à Índia pelo Ocidente. Daí, a sua participação na expedição de Alonso de Ojeda entre 1499 e 1500, daí ter aceitado o encargo de seguir o litoral do continente sul-americano, por ordem do rei de Portugal, entre Maio de 1501 e o Verão de 1502, quando percorreu o litoral brasileiro desde o que chamou Cabo de São Roque (onde esteve em 16 de Agosto) e, além da Bahia e do Rio de Janeiro, até Cananor (onde chegou em Janeiro de 1502). Aquele seria, segundo ele, o ponto mais ocidental ao qual, em virtude do Tratado de Tordesilhas com a Espanha, poderiam aspirar os portugueses. E logo prosseguiu sua viagem rumo ao Rio da Prata.» (Hugh Thomas - Rivers of Gold - 2003, excerto)

22FEV1732-1799 - George Washington: «A liberdade é uma planta que cresce depressa, quando ganha raízes».

1877-22FEV1912 - Manuel Laranjeira: «Ânsia de amar! oh ânsia de viver! / Uma hora só que seja, mas vivida / e satisfeita... e pode-se morrer / - porque se morre abençoando a vida!» (A Tristeza de Viver). IMAG.143

23FEV1922-2008 - Fernando José Francisco: Autor surrealista - «Era o melhor de nós todos, era a maior esperança… Viveu uma história excepcional, que poderia ser cantada por um Camões. Por o amor ser tão grande ou ser tão fraco, decidiu deixar de pintar, o que é admirável, muito bonito. E é único» (Cruzeiro Seixas). IMAG.179

1881-23FEV1942 - Stefan Zweig: «A desventura, na verdade, não transforma nunca um carácter, não lhe acrescenta novos elementos, modela apenas as inclinações já existentes, dando-lhe novas formas». IMAG.32-48-176-348

VISTORiA

Na Rua

Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha..

Minha sempre! – E em voz baixinha:
– «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.

Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,

(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
– como uma tarde em Setembro...
Manuel Laranjeira
- Comigo - Versos d’Um Solitário (1912)

VISTORiA

Nueva York

Espectáculos por hora.
Sandwichs de pollo y pepino.
Ruido de remachadoras.
Magos y adivinadoras
de la suerte y el destino.
Jardiel Poncela



Arte dos Contrastes

Uma cidade para ser interessante deve ter em si grandes contrastes. Uma cidade exclusivamente moderna é monótona; uma cidade atrasada, com o tempo, se torna incómoda; uma cidade de proletários causa tristeza e uma localidade de luxo, após pouco tempo, provoca tédio e mau humor. Quanto mais camadas possui uma cidade e quanto mais colorida é a escala em que seus contrastes se graduam, tanto mais atraente é ela; é o que acontece com o Rio. Nesta cidade os extremos divergem muito, mas apresentam transições entre si, de especial harmonia. A riqueza aqui não é provocadora. As casas feudais, que são montadas com um gosto estupendo, não apresentam fachadas que chamem a atenção. Estão espalhadas no meio da vegetação, estão circundadas de belos jardins com lagos e possuem um mobiliário selecionado, em geral de estilo colonial; pelo fato de elas não serem faustosas e com aspecto de casas de cidade, e sim estarem inteiramente relacionadas com a natureza, dão a impressão de alguma coisa que cresceu organicamente e não de alguma coisa pretensiosamente colocada diante dos nossos olhos; temos que procurá-las para as achar, mas, se nos é dado o prazer de ir a uma dessas casas como convidados, não nos cansamos de admirá-las, pois de qualquer aposento o olhar pode deleitar-se com a paisagem. No jardim lagos artificiais reflectem caramanchões; varandas abertas com ladrilhos e azulejos portugueses antigos dão ensejo a sentir-se a exalação suave das flores e das árvores e, ao mesmo tempo, protegem o interior contra a intensa luz solar. Nada aqui é sobrecarregado e provocante, pois a riqueza aqui se acha geralmente em poder das famílias antigas, que foram educadas na civilização e tradição; o que elas coleccionam são na maioria obras de arte antiga, colonial, quadros e livros de sua própria pátria. Por isso não há nessas casas a impressão muitas vezes desagradável de coisas amontoadas sem selecção. Precisamente nessas casas feudais é que vamos compreender a origem antiga da civilização brasileira. Mas a apenas dois passos do portão de uma dessas residências podemos estar numa favela ou num bairro operário; aquela e este, cercados ambos pela mesma vegetação verde escura e banhados pela mesma luz radiante, não se perturbam mutuamente. De certo modo, nesta cidade, pela força unitiva da natureza, o contraste não foi suprimido, mas se tornou menos forte, e essa constante e suave influência recíproca dos contrastes parece-me característica do Rio. O arranha-céu e o casebre, as avenidas sumptuosas e as ruas estreitas e de casas baixas, as praias e os morros, que altivos erguem seus cabeços, tudo parece mais completar-se do que se hostilizar. A vida social tolera nesta cidade todos os contrastes; podemos tomar um sorvete numa confeitaria refrigerada, que por seus preços lembra as de Nova York, e muito perto dela, muitas vezes no mesmo prédio, podemos tomá-lo por alguns tostões e podemos com o mesmo terno de brim andar num automóvel ou num bonde com os operários; nada nesta cidade se hostiliza, e encontramos em todas as pessoas, no engraxate e no aristocrata, a mesma polidez que aqui une harmonicamente todas as classes sociais. O que se separa com hostilidade e desconfiança nos outros países, aqui se combina livremente.
Quantas raças encontramos nas ruas: o preto de casaco roto, o europeu com o terno bem talhado, o caboclo de olhar grave e cabelos pretos e lisos; em centenas e milhares de matizes, as mesclas de todos os povos e de todas as nacionalidades, mas todos, não como em Nova York e outras cidades, separados em bairros, aqui negros, ali brancos, acolá mestiços, mais adiante italianos, irlandeses ou japoneses. Todos aqui se misturam, e a rua, pela grande variedade das fisionomias, se torna um quadro constantemente cambiante. Que habilidade se torna necessária, aqui, para atenuar os contrastes, sem destruí-los, para conservar a variedade, sem a preocupação de ordená-la e organizá-la, à força!
Que essa cidade conserve tal habilidade! Que não seja acometida do delírio geométrico das avenidas rectas, dos nítidos cruzamentos, da horrenda ideia da excessiva regularidade das modernas cidades grandes, que sacrificam à simetria da linha e à monotonia das formas, precisamente o que sempre é o incomparável de toda cidade: suas surpresas, seus caprichos e suas angulosidades e, sobretudo, seus contrastes – esses contrastes entre o velho e o novo, entre a cidade e a natureza, entre o rico e o pobre, entre o trabalhar e o flanar, contrastes que aqui se gozam em sua harmonia sem par!
Stefan Zweig
- Brasil, País do Futuro (excerto)

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita Um Adeus Aos Deuses de Ruben A. (1920-1975); edição de Liberto Cruz, prefácio de Raul Miguel Rosado Fernandes. IMAG.52

Quarto de Jade edita Os Animais Domésticos de Maria João Worm. IMAG.289-301-325

PARLATÓRiO

Este livro foi feito a partir de uma série de gravuras que fiz em 1998. Há muito que tinha pensado reuni-las e fazer uma publicação. Agora, olho para as imagens e para os textos e sei que eles foram feitos com toda a liberdade que parece que ainda é visitada pela Sra. Ingenuidade (aquela que faz limpezas nas cabeças que ainda não têm muito pó).
O que resultou é um livro que quer mostrar esse tempo em que se deixa acontecer, sem querer mais do que fazer do corpo o lugar táctil e sensível que permite construir sem a finalidade artificiosa.
Não é um livro apenas para crianças, não é um livro para quem se deixa cristalizar e não cresce, seja lá o que isso queira exactamente dizer. Este objecto final é uma visita a uma experiência anterior, acumulou tempo, desdobra-se no espaço e tem finalmente um corpo próprio.
Enquanto livro de autor, e por tudo o que me leva a pensar hoje conscientemente, na minha estante ideal, arrumava-o junto aos livros de arte.

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