José
de Matos-Cruz | 16 Fevereiro 2012 | Edição Kafre | Ano IX – Semanal –
Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
OBSESSÕES
OBSESSÕES
Memórias,
vivências, momentos
solenes, intensos desafios, reflectem-se em Magríficas
Obsessões - João Bénard da Costa, Um Programador de Cinema por
António Rodrigues, cumprindo o projecto nascido de uma troca de
impressões com Gianlucca Farinelli, durante o Festival Cinema
Ritrovato, em Bolonha. Obra de análise e testemunho, de referência
e comentário, dividida «em cinco partes, que acompanham
cronologicamente as actividades de João Bénard da Costa (5 de
Fevereiro de 1935 / 21 de Maio de 2009) como programador de cinema,
sem esquecer que esta actividade nem sempre foi totalmente solitária
e que ele teve diversos colaboradores, mais ou menos próximos, mais
ou menos ouvidos». Sob chancela editorial da Cinemateca Portuguesa -
Museu do Cinema, da qual Bénard da Costa foi director e presidente,
após actividade determinante na Fundação Calouste Gulbenkian, eis
as marcas e as memórias, as paixões e as vivências de quem ousou
«formar o gosto de quem eu quero que goste tanto como eu gosto e
que, se possível, goste como eu gosto».
IMAG.27-190-208-222-252-287
MEMÓRiA
1901-17FEV1982
- Lee Strasberg: Actor, encenador, produtor, professor, fundador do
Actor’s Studio (Nova Iorque) - «A arte é maior que a vida. Se nós
não podemos alcançar a possibilidade da grandeza, de que nos serve
sonhá-la?». IMAG.347
18FEV1862-1939
- Charles M. Schwab: «A personalidade está para o homem, tal como o
perfume está para a flor».
1901-18FEV1952
- Enrique Jardiel Poncela: «Para ser moral, basta existir um tal
propósito; para ser imoral, há que dispor de condições
especiais». IMAG.342
1454-22FEV1512
- Americo Vespucio: «A sua ambição fora alentada pelo que Colombo
tentara, e segundo ele não conseguira, isto é, chegar à Índia
pelo Ocidente. Daí, a sua participação na expedição de Alonso de
Ojeda entre 1499 e 1500, daí ter aceitado o encargo de seguir o
litoral do continente sul-americano, por ordem do rei de Portugal,
entre Maio de 1501 e o Verão de 1502, quando percorreu o litoral
brasileiro desde o que chamou Cabo de São Roque (onde esteve em 16
de Agosto) e, além da Bahia e do Rio de Janeiro, até Cananor (onde
chegou em Janeiro de 1502). Aquele seria, segundo ele, o ponto mais
ocidental ao qual, em virtude do Tratado de Tordesilhas com a
Espanha, poderiam aspirar os portugueses. E logo prosseguiu sua
viagem rumo ao Rio da Prata.» (Hugh Thomas - Rivers
of Gold - 2003, excerto)
22FEV1732-1799
- George Washington: «A liberdade é uma planta que cresce depressa,
quando ganha raízes».
1877-22FEV1912
- Manuel Laranjeira: «Ânsia de amar! oh ânsia de viver! / Uma hora
só que seja, mas vivida / e satisfeita... e pode-se morrer / -
porque se morre abençoando a vida!» (A
Tristeza de Viver). IMAG.143
23FEV1922-2008
- Fernando José Francisco: Autor surrealista - «Era o melhor de nós
todos, era a maior esperança… Viveu uma história excepcional, que
poderia ser cantada por um Camões. Por o amor ser tão grande ou ser
tão fraco, decidiu deixar de pintar, o que é admirável, muito
bonito. E é único» (Cruzeiro Seixas). IMAG.179
1881-23FEV1942
- Stefan Zweig: «A desventura, na verdade, não transforma nunca um
carácter, não lhe acrescenta novos elementos, modela apenas as
inclinações já existentes, dando-lhe novas formas».
IMAG.32-48-176-348
VISTORiA
Na
Rua
Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha..
Minha sempre! – E em voz baixinha:
– «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.
Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,
(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
– como uma tarde em Setembro...
Ninguém por certo adivinha
como essa Desconhecida,
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha..
Minha sempre! – E em voz baixinha:
– «Tua ainda além da vida!...»
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.
Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco...
E o grande amor, afinal,
(Com que desprezo me lembro!)
foi morrendo pouco a pouco,
– como uma tarde em Setembro...
Manuel
Laranjeira
-
Comigo - Versos d’Um
Solitário (1912)
VISTORiA
Espectáculos
por hora.
Sandwichs de pollo y pepino.
Ruido de remachadoras.
Magos y adivinadoras
de la suerte y el destino.
Sandwichs de pollo y pepino.
Ruido de remachadoras.
Magos y adivinadoras
de la suerte y el destino.
Jardiel
Poncela
Arte
dos Contrastes
Uma
cidade para ser interessante deve ter em si grandes contrastes. Uma
cidade exclusivamente moderna é monótona; uma cidade atrasada, com
o tempo, se torna incómoda; uma cidade de proletários causa
tristeza e uma localidade de luxo, após pouco tempo, provoca tédio
e mau humor. Quanto mais camadas possui uma cidade e quanto mais
colorida é a escala em que seus contrastes se graduam, tanto mais
atraente é ela; é o que acontece com o Rio. Nesta cidade os
extremos divergem muito, mas apresentam transições entre si, de
especial harmonia. A riqueza aqui não é provocadora. As casas
feudais, que são montadas com um gosto estupendo, não apresentam
fachadas que chamem a atenção. Estão espalhadas no meio da
vegetação, estão circundadas de belos jardins com lagos e possuem
um mobiliário selecionado, em geral de estilo colonial; pelo fato de
elas não serem faustosas e com aspecto de casas de cidade, e sim
estarem inteiramente relacionadas com a natureza, dão a impressão
de alguma coisa que cresceu organicamente e não de alguma coisa
pretensiosamente colocada diante dos nossos olhos; temos que
procurá-las para as achar, mas, se nos é dado o prazer de ir a uma
dessas casas como convidados, não nos cansamos de admirá-las, pois
de qualquer aposento o olhar pode deleitar-se com a paisagem. No
jardim lagos artificiais reflectem caramanchões; varandas abertas
com ladrilhos e azulejos portugueses antigos dão ensejo a sentir-se
a exalação suave das flores e das árvores e, ao mesmo tempo,
protegem o interior contra a intensa luz solar. Nada aqui é
sobrecarregado e provocante, pois a riqueza aqui se acha geralmente
em poder das famílias antigas, que foram educadas na civilização e
tradição; o que elas coleccionam são na maioria obras de arte
antiga, colonial, quadros e livros de sua própria pátria. Por isso
não há nessas casas a impressão muitas vezes desagradável de
coisas amontoadas sem selecção. Precisamente nessas casas feudais é
que vamos compreender a origem antiga da civilização brasileira.
Mas a apenas dois passos do portão de uma dessas residências
podemos estar numa favela
ou num bairro operário; aquela e este, cercados ambos pela mesma
vegetação verde escura e banhados pela mesma luz radiante, não se
perturbam mutuamente. De certo modo, nesta cidade, pela força
unitiva da natureza, o contraste não foi suprimido, mas se tornou
menos forte, e essa constante e suave influência recíproca dos
contrastes parece-me característica do Rio. O arranha-céu e o
casebre, as avenidas sumptuosas e as ruas estreitas e de casas
baixas, as praias e os morros, que altivos erguem seus cabeços, tudo
parece mais completar-se do que se hostilizar. A vida social tolera
nesta cidade todos os contrastes; podemos tomar um sorvete numa
confeitaria refrigerada, que por seus preços lembra as de Nova York,
e muito perto dela, muitas vezes no mesmo prédio, podemos tomá-lo
por alguns tostões e podemos com o mesmo terno de brim andar num
automóvel ou num bonde com os operários; nada nesta cidade se
hostiliza, e encontramos em todas as pessoas, no engraxate e no
aristocrata, a mesma polidez que aqui une harmonicamente todas as
classes sociais. O que se separa com hostilidade e desconfiança nos
outros países, aqui se combina livremente.
Quantas
raças encontramos nas ruas: o preto de casaco roto, o europeu com o
terno bem talhado, o caboclo de olhar grave e cabelos pretos e lisos;
em centenas e milhares de matizes, as mesclas de todos os povos e de
todas as nacionalidades, mas todos, não como em Nova York e outras
cidades, separados em bairros, aqui negros, ali brancos, acolá
mestiços, mais adiante italianos, irlandeses ou japoneses. Todos
aqui se misturam, e a rua, pela grande variedade das fisionomias, se
torna um quadro constantemente cambiante. Que habilidade se torna
necessária, aqui, para atenuar os contrastes, sem destruí-los, para
conservar a variedade, sem a preocupação de ordená-la e
organizá-la, à força!
Que
essa cidade conserve tal habilidade! Que não seja acometida do
delírio geométrico das avenidas rectas, dos nítidos cruzamentos,
da horrenda ideia da excessiva regularidade das modernas cidades
grandes, que sacrificam à simetria da linha e à monotonia das
formas, precisamente o que sempre é o incomparável de toda cidade:
suas surpresas, seus caprichos e suas angulosidades e, sobretudo,
seus contrastes – esses contrastes entre o velho e o novo, entre a
cidade e a natureza, entre o rico e o pobre, entre o trabalhar e o
flanar, contrastes que aqui se gozam em sua harmonia sem par!
Stefan
Zweig
-
Brasil, País do Futuro
(excerto)
BREVIÁRiO
Assírio
& Alvim edita Um Adeus Aos
Deuses de Ruben A.
(1920-1975); edição de Liberto Cruz, prefácio de Raul Miguel
Rosado Fernandes. IMAG.52
Quarto
de Jade edita Os Animais
Domésticos de Maria João
Worm. IMAG.289-301-325
PARLATÓRiO
Este
livro foi feito a partir de uma série de gravuras que fiz em 1998.
Há muito que tinha pensado reuni-las e fazer uma publicação.
Agora, olho para as imagens e para os textos e sei que eles foram
feitos com toda a liberdade que parece que ainda é visitada pela
Sra. Ingenuidade (aquela que faz limpezas nas cabeças que ainda não
têm muito pó).
O
que resultou é um livro que quer mostrar esse tempo em que se deixa
acontecer, sem querer mais do que fazer do corpo o lugar táctil e
sensível que permite construir sem a finalidade artificiosa.
Não
é um livro apenas para crianças, não é um livro para quem se
deixa cristalizar e não cresce, seja lá o que isso queira
exactamente dizer. Este objecto final é uma visita a uma experiência
anterior, acumulou tempo, desdobra-se no espaço e tem finalmente um
corpo próprio.
Enquanto
livro de autor, e por tudo o que me leva a pensar hoje
conscientemente, na minha estante ideal, arrumava-o junto aos livros
de arte.
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